Os últimos dias foram agitados em se tratando de notícia. Tanto que acabei segurando esta Entrevista da Semana com o jornalista Odair Braz Junior. Quem acompanha a imprensa nacional há um bom tempo sabe muito bem quem é ele: ex-editor de revistas como Herói (aquela primeira, de 1994), Ação Games, Nintendo World, daí editor-chefe das publicações da Conrad (inclua a EGM Brasil e o site Herói aí) e com passagens por tantas outras empresas, ele é um dos nomes mais respeitados do Brasil quando o assunto é cultura pop (e Elvis Presley, mas deixa isso pra outra hora).
Hoje, ele é o responsável pelo site GameTV, o portal de games do canal PlayTV. Uma nova versão do site entrou no ar na semana passada, e achei aí um bom gancho para bater um papo com ele aqui. Juneca (para os íntimos) falou sobre o mercado editorial, pirataria, jornalismo de games e vários outros temas. Leia até o fim e não deixe de comentar.
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Gamer.Br: Você trabalha há muitos anos no mercado editorial de games. Passou por editoras de destaque (Abril, Conrad/Futuro) e participou de várias revistas de relevância. Hoje, trabalha exclusivamente para a internet. Como você define sua trajetória?
Odair Braz Junior: Acho que a minha mudança para veículos de internet acabou sendo um prolongamento do meu trabalho com revistas. Na Conrad, quando a internet pegou pra valer no Brasil, criamos o site Herói e foi uma verdadeira escola pra mim e pra outros jornalistas que lá trabalharam. Dali para frente, o pensamento da editora sempre foi o de ter cada vez mais sites e cada vez mais sites atrelados às revistas. Trabalho já há alguns anos só com internet, o que tem sido bacana também.
Você acompanhou de perto o estouro da bolha da internet e o início da decadência do meio impresso. E agora, é só da internet. Como foi para você se aprimorar em um meio (impresso) e ser obrigado a se preparar para o outro (digital)?
Bom, acho que a gente tem que ter jogo de cintura, né? Teve muita coisa que fui aprendendo na marra mesmo, errando um monte e tal. E com internet eu continuo aprendendo coisas novas todos os dias. Mas no final das contas, o que importa mesmo é você conseguir ter credibilidade e fazer a coisa certa, seja na internet, jornal, revista ou TV, né?
Como você acha que o leitor enxergou sua mudança ao longo dos anos? Primeiro, como editor da Ação Games; daí na Nintendo World e comandando a equipe da Conrad; daí, você acabou se afastando por alguns anos para agora voltar ao comando de um grande veículo. Você acha que o leitor acompanhou, percebeu as mudanças?
Não sei como o público acompanhou. Na verdade nem sei se acompanhou [risos]. Se bem que de vez em quando aparecem uns gatos pingados dizendo que me liam na Herói, Ação Games, Nintendo World e por aí vai. Mas games eu coloco dentro da minha sacola de cultura pop, que envolve cobertura de cinema, quadrinhos, música, séries de TV e também games. E vem aí uma aprofundada maior ainda nesse universo pop. Mas esse assunto fica pra outra oportunidade.
Como funciona o dia a dia de um portal especializado? Como é a rotina, quem faz o quê?
Bom, a gente tem uma equipe aqui de gente que curte muito games. Curtem e sabem do assunto bem mais do que eu. Minha função é dar uma organizada geral, tentar abrir um pouco a cobertura do site para que não fique tão focada apenas em hardnews. Acho que fizemos diversas matérias diferentes nesse tempo em que estou aqui e também mantivemos o noticiário mais quente. Aqui na redação, todo mundo meio que faz de tudo: todos escrevem análises, fazem matérias, notas e assim por diante. Nossa cobertura, ainda no site velho, era um pouco limitada por conta dos problemas que tínhamos, dos vários bugs que existiam. Agora acho que temos uma possibilidade bem melhor de aprimorar nossa cobertura.
A pergunta crucial quando o assunto é site: existe grana para bancá-los? Os anunciantes tradicionais de revista estão mesmo migrando para a internet?
Olha, a coisa não é fácil ainda para os sites. A gente sabe que a grana para anúncios em sites está aumentando, mas ainda não é um volume bom. Além disso, boa parte desse dinheiro acaba parando nos grandes portais. Então, é um trabalho de formiguinha mesmo de ir aumento a audiência e ao mesmo tempo ter um departamento comercial forte. Mas ainda é difícil de ver grana de publicidade.

O que esta nova versão do GameTV traz de novidades em relação à anterior? Qual o foco, a proposta do site? Ser uma extensão do canal de TV apenas?
Bom, primeiro de tudo: o site antigo estava muito bugado. Quem navegava nele todos os dias podia notar isso facilmente, não é segredo o que estou falando. E isso aconteceu por vários motivos que não cabem aqui. Agora, com o site novo, acredito que temos a chance de fazer um trabalho melhor. Dito isso, o site não é uma extensão da PlayTV. Ele tem vida própria, mas vamos ter uma interação cada vez maior entre site e TV. Algumas novidades já vão aparecer nesse sentido em breve. Além disso, essa mudança no GameTV faz parte de uma reestruturação da PlayTV, que terá novidades em sua programação e já tem um site novinho no ar, ainda em versão beta. Esse bate-bola entre site e TV já funcionou bem no passado em termos de audiência. Agora queremos aliar a audiência com a “conversa” com a TV.
Fiz uma pesquisa aqui no site há uns meses, perguntando “Revistas especializadas em games hoje no Brasil: sim, não ou depende?” Você foi um dos únicos que respondeu “Não”. Você ainda reforça essa opinião?
Mantenho minha opinião, sim. A internet não vai parar de crescer e, uma hora ou outra, vai acabar engolindo as revistas. O que não quer dizer que elas não continuarão a existir. Vão continuar, mas em número menor e mais caras. Vai haver uma peneira de revistas e as boas vão ficar. Mas o mesmo vale para sites. Acredito que daqui pra frente, apenas os bons vão ficar. Acho que acabou aquela história de que “qualquer um pode ter um site”. Um blog acho que todo mundo pode ter, agora um site que funcione, tenha audiência, seja relevante, não é todo mundo que pode ter mais.
Como você vê a cobertura jornalística de games daqui uns anos?
Nesta última E3, eu pude ver claramente como é que as empresas tratam os jornalistas da área de games. Lá eles recebem um site brasileiro da mesma maneira que recebem um repórter da CNN. O tratamento é o mesmo e às vezes até melhor, porque as empresas sabem que estão falando com alguém que entende profundamente do assunto. No Brasil ainda não é assim. Você fala que é jornalista de games e aí é só esperar as piadinhas de sempre. Então, acho que isso tende a mudar aos poucos no Brasil e acho que já está mudando. Mas muito devagar. Agora com relação à cobertura específica, acho que tende a se concentrar cada vez mais em menos sites e também passará a ser mais multimídia em vez de apenas textos e imagens. Acho que logo mais o GameTV estará dando nossa contribuição nesse sentido.
O jornalismo de games brasileiro ainda é muito inexperiente, na prática? O que falta?
Eu acho que falta mesmo é mais esse contato mais próximo com a indústria de games. Muitas vezes a gente vê as coisas acontecerem lá longe nos EUA e no Japão e não participamos dos bastidores da coisa. Não conhecemos os executivos, não temos fontes primárias e coisas assim. Com o crescimento do interesse das empresas no Brasil pode ser que essa história comece a mudar um pouco.
Insisto no tema: O jornalismo de games brasileiro é chapa-branca, ou seja, não fala o que pensa por medo de se comprometer?
Olha, acho que tem muita gente chapa-branca sim no Brasil. Mas, por exemplo, não incluo o GameTV aí. A gente, sempre que aparece um jogo ruim, falamos que é ruim. Na cobertura da E3, por exemplo, falei abertamente que a apresentação da Nintendo foi ruim em relação à da Microsoft, por exemplo. A gente tem esse tipo de liberdade. Agora, há empresas que têm o rabo muito mais preso, obviamente. Tem muita gente que tem medo de perder ali seus anúncios por represália. E isso é uma coisa que as grandes empresas também fazem no Brasil: falou mal do meu jogo? Beleza, não anuncio mais. Não acredito que isso acontecesse com a EGM americana, por exemplo.
A pergunta polêmica de sempre: a pirataria é o problema ou a solução?
Eu acho que a pirataria é ruim pra todo mundo. O próprio jogador que compra o game pirata sai perdendo mesmo tendo pago R$ 15 naquele puta jogão que acabou de sair. Fica com um produto tosco na mão, sem embalagem, sem manual nem nada. Agora é o seguinte também: as empresas grandes, no geral, estavam pouco se importando com o mercado brasileiro. Acredito que elas tenham seus motivos para isso (como a questão dos impostos, que ainda são altos), mas deixaram o mercado ao deus dará. Então, a pirataria dominou mesmo. Você acha que as pessoas têm R$ 200 para gastar em um ou em mais jogos? Claro que vão para a pirataria. É uma droga, mas é a nossa realidade. Espero que com a entrada da Sony no Brasil esta situação comece a mudar. Mas hoje o mundo é assim. Pelo menos no Brasil [risos].
O que você, como editor experiente, recomenda a jovens e futuros jornalistas hoje em dia, que querem tocar seus sites, fazer por conta própria e se manter com isso? O que a questão da não-obrigatoriedade do diploma influencia nessa história?
Eu diria que a vida é dura. Hoje, para conseguir se sustentar com um site noticioso, você tem que ter uma boa estrutura. Como eu falei, não dá mais para sair fazendo um site por farra e ver o que vira. Site é como uma loja: você tem que ter um ponto bom, tem que ter gente trabalhando, tem que pagar salários, pagar colaboradores. Tá, dá para fazer um chamando os amigos para escrever de graça. Mas até quando eles vão topar isso? A internet está ficando cada vez mais profissional. A não ser que você tenha uma idéia genial na manga. Mas é raro alguém reinventar a roda. Com relação à questão do diploma, acho que é irrelevante. Ninguém pedia o diploma e se você é dono de um site noticioso e faz seu trabalho legal, ninguém estará nem aí se você tem diploma ou não. Mas é o seguinte: não precisa mais de diploma, mas ainda tem de aprender o ofício de ser jornalista.
E qual conselho você gostaria que tivessem dito a você quando começou nessa carreira de jornalista de cultura pop-nerd?
Vá fazer alguma coisa que dê dinheiro de verdade [risos]. Não, é assim: ser jornalista dá trabalho. Você trabalha muito e, na maioria das vezes, não é bem remunerado por isso. Muitos chefes acham que uma pessoa sozinha atualiza um site ou que duas pessoas podem fechar uma revista de 80 páginas. Não é assim. Mas se você gosta da coisa, não tem jeito. Se foi pego pelo vírus da adrenalina do fechamento ou de dar uma notícia antes de todo mundo, não tem jeito, você vai continuar nesse trabalho mesmo não ganhando muito. No meu caso, consegui trabalhar com coisas que gostei a vida toda: games, quadrinhos, cinema, série de TV. Mas não é fácil, não vou mentir. Manja aquele papo de matar um leão por dia? Então, ser jornalista é mais ou menos isso. E eu gosto de matar leões todos os dias.