Eu disse que voltaria, e aqui está: chegou a hora de mais uma Entrevista da Semana no Gamer.br. O escolhido da vez é o Gustavo Petró, o atual editor da GameMaster, publicada pela Editora Europa. Petró, um dos mais conhecidos prodígios do jornalismo especializado nacional, falou sobre o início de sua carreira, os desafios da profissão, a concorrência com a EGM Brasil e tantos outros assuntos (o cara fala muito!). Leia e, como sempre, não deixe de comentar ali no final.
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Gamer.br: Como você classificaria seu início no mercado de games? Você era um leitor de revistas, bateu na porta de uma editora com a cara e a coragem, pediu oportunidade, e hoje, três anos depois, é editor. Fale um pouco sobre essa trajetória.
Gustavo Petró: É uma longa história. Bom, como todos que estão nessa área, eu gosto muito de videogame. Sempre gostei e acho que sempre vou gostar muito. Gastava todo meu dinheiro em jogos e consoles, levava portáteis para as competições de natação, comprava e lia muitas revistas (esse hábito cultivo até hoje).
Como respirava videogame, virei uma espécie de consultor para os meus amigos lá em Porto Alegre, que me perguntavam que console ou jogo comprar. Cheguei até a ganhar uma graninha por fora fazendo parceria com umas lojinhas. Eu “vendia” para eles e ganhava uma pequena comissão. Então, trabalhar com videogame é um sonho antigo.
Comecei a estudar jornalismo na PUC-RS, mas sem intenção de trabalhar em uma revista ou site especializados. Por isso, metade do meu curso foi voltado ao jornalismo esportivo, tanto que trabalhei na assessoria de imprensa do time do Grêmio. A mudança de foco aconteceu quando eu precisei encontrar um tema para o meu trabalho de conclusão.
Desesperado, comecei a pedir sugestões para todo o mundo. Foi daí que uma guria que trabalhava comigo disse: “Bah, Gustavo. Tu gosta tanto de videogame. Faz um TC sobre isso!”. Foi então que a ficha caiu e fiz um trabalho cujo tema foi “O Papel do Jornalista na Produção de Jogos de Videogame”, tentando “criar” mais um local de trabalho para o jornalista. Após me formar, decidi que eu trabalharia escrevendo sobre videogames, que faria isso da minha vida. Como em Porto Alegre não existe um mercado editorial forte (ou você trabalha para a RBS que é a Globo de lá ou você trabalha em assessoria de imprensa), tive que vir enfrentar São Paulo.
Chegando em São Paulo, o que você fez?
Cheguei aqui em maio de 2005 e logo fui correndo atrás de trabalho. Afinal, eu tinha dinheiro para sobreviver um mês aqui. Em exatos um mês consegui visitar a Conrad que na época publicava a EGM Brasil. Na época, fui lá apenas para visitar e mostrar currículo, essas coisas, mas você me deu um review para fazer para a revista. Não me lembro se ficou bom ou ruim (imagino que não tenha sido dos melhores), mas foi ali que agarrei essa oportunidade e não larguei mais.
Lembro que na Conrad tinha um computador que ninguém usava. E como eu não tinha nada no apê que eu estava. Eu ia para lá todos os dias trabalhar nesse PC. Tentaram me expulsar, mas não conseguiram. Aos poucos, fui ganhando mais textos para fazer para a EGM e nas outras revistas da casa.
O Juneca (Odair Braz Junior) cuidava do Gameworld na época e me passou bastante coisa para fazer. Quando vi, eu já era da casa e estava trabalhando com os caras que eu lia tempos atrás, o que era a conquista de um sonho.
Em março de 2006, eu estava como freela na já Futuro. Mas recebi um convite para trabalhar no caderno de informática da Folha de S. Paulo. Lá, eu escrevi pouco sobre games – mas mesmo meio contra o Rodolfo Lucena, o editor do caderno, eu sempre conseguia escrever alguma notinha -, mas continuei “freelando” para a EGM Brasil, SDP, NW e EGM PC. Foi então que a Editora Europa me fez um convite e eu aceitei. Estou aqui desde novembro de 2006. Comecei como repórter da GameMaster ao lado do Felipe Azevedo e depois com o Humberto Martinez
Aí, surgiu o desafio de ser editor da revista. Como tudo aconteceu rápido demais a meu ver, sei que ainda tenho que comer muito feijão para chegar ao nível dos editores das revistas da casa e da concorrência que está há anos no mercado. Mas estou lutando e estudando para chegar lá.
Você acha que esse “mergulho” corajoso daria certo para todo mundo que tentasse? Onde você acha que acertou?
Acho que o que me ajudou nessa minha caminhada foi a sorte. Sorte de ter chegado na hora e no momento certo. Sempre que alguém vem falar comigo e diz que quer tentar seguir o mesmo caminho que eu, digo que é bom pensar muito bem, pois pode não dar certo. É bom pensar muito bem antes de jogar tudo para o alto, largar família e amigos para tentar a vida em outra cidade. Comigo, tinha tudo para não dar certo. Por isso, acredito que foi a sorte que me colocou onde estou hoje. Mas para conseguir um espaço nesse mercado, não basta só ter a sorte do seu lado. E é aí que acho que acertei. Quando as oportunidades aparecem na sua porta, agarre com todas as forças e sempre faça o melhor trabalho possível.
Além disso, sempre busquei aprender com os mais experientes como você, o Fabão, o Trivas, o Testa, o Mega, o Nelsão, o Humberto, o Sombra, o Bueno, o Guerra, o Théo e muitos outros com quem trabalhei e/ou trabalho hoje.
Outro acerto meu é saber aprender com os erros. Quem está começando nessa área, e até mesmo quem já está calejado nela, está sujeito a errar. Quando isso acontece, é uma oportunidade de aprender e de se tornar um profissional melhor. Por isso, sempre que se recebe um puxão de orelha de um editor, não é para você ficar chateado ou ficar com o ego ferido: use a crítica como aprendizado para continuar para continuar tentando melhorar sempre. Isso é uma regra na minha vida.
Você começou como freela em revista, mais tarde se tornou repórter de jornal, agora está fixo como editor de outra revista. Qual o melhor dos mundos pra trabalhar com games na imprensa nacional?
Bom, daí depende da situação. Para um jornalista recém-formado, é bom ser freela: a grana pode não ser das melhores e a quantidade de trabalho depende do editor, mas é sua vitrine para o mercado. Se você conseguir fazer um bom trabalho, possivelmente se tornará um repórter da revista em si. É bom também porque você aprende faz de tudo da publicação como detonados, notícias, notinhas, tabelas, reviews e previews – e tem que ser assim, todos devem passar por isso.
Mas e a experiência de trabalhar em jornal, você recomenda?
A diferença de ser repórter de revista e de jornal está nos prazos e no estilo da escrita. No caso do caderno de informática da Folha, que é semanal, você tem uma semana para fazer as matérias que devem ser mais diretas. Na revista, as matérias são mais complexas, mas existe mais tempo para se fazer. O editor também escreve bastante, mas ele pega aquela parte mais burocrática de cuidar dos detalhes da revista, de assinar papéis, de pagar colaboradores, de cuidar da capa, dos textos dos outros e etc. Acho que cada tipo de função tem suas vantagens e desvantagens, assim como cada lugar (jornal ou revista). Mas para trabalhar com games, o melhor ainda são as revistas especializadas. No jornal, você tem que escrever para um público que não domina games. Daí, se você fizer um texto do jogo do Mario, por mais conhecido que ele seja, você tem que explicar que ele é o mascote da Nintendo, que já estrelou em X jogos e que foi criado pelo Miyamoto. Na revista você pula essa parte e pode entrar em detalhes mais bacanas que para um público de jornal não seria entendido. Eu gostei de trabalhar nas duas áreas e gosto de fazer reportagens. Gosto de ir atrás, fuçar, pesquisar. Foi assim que fiz matérias que considero bacanas e que acabaram sendo exclusivas como a “Crime nos Games”, que entrevistei o jogador de GunBound que foi seqüestrado na vida real, descobri quem foi o responsável por ter banido Counter-Strike e EverQuest do Brasil entre muitas outras. Eu não gosto do que escrevo, mas acho que essa matéria ficou bem bacana e a busca por documentos e provas foi digna de um César Tralli (o repórter da Globo). Com essa minha gana de sempre tentar descobrir algo novo e exclusivo foi que consegui jogar Street Fighter IV na GDC 08.
Quando você estudava jornalismo, queria se especializar em games. Hoje, você conseguiu. O mercado é o que esperava?
É até mais do que eu esperava. Trabalhar com games e ao lado dos seus ídolos é o sonho de todo o piá. Pelo menos era para mim. Tenho acesso aos jogos antes de serem lançados e respiro videogame o dia todo. É ótimo trabalhar com uma das coisas que mais gosto na vida, até mesmo quando a quantidade de trabalho é insana. Mesmo assim, dá gosto vir todos os dias para a editora ou ficar noites sem dormir fechando revista e tentando fazer o melhor para agradar ao leitor. Eu acho bacana.
E quais são as principais virtudes que um jornalista de games precisa ter no Brasil?
Acho que um jornalista de games tem que saber que ele é igual a qualquer outro jornalista do mercado como da Folha, Estadão ou Globo. Então, como tal, ele deve ir atrás das informações, pesquisar, checar fontes etc. Muitas vezes, ao tentar conseguir uma entrevista eu me sentia inferior à esses caras. Mas não, somos todos iguais. Se você está com uma bomba em mãos, fala o melhor possível para publicá-la com credibilidade, mas nunca deixe de ser humilde. O trabalho do jornalista de games ainda é taxado como brincadeira pelas pessoas. Pode fazer o teste e diga para alguém que você escreve sobre games. A resposta será: “Ah, então tu joga joguinho o tempo todo”. E não é bem assim. Trabalhamos muito e fazemos coisas sérias. Ou alguém viu a imprensa de massa ir atrás de quem entrou com processo no Ministério Público para banir o Counter? Não, pois esse é o nosso trabalho, o trabalho dos jornalistas de games!
Qual é o papel de uma revista de games em um mercado como o brasileiro? A revista ainda é tão relevante quanto no tempo em que você era apenas um leitor?
A revista ainda é importante, como antigamente (e ainda sou leitor). A diferença é que estamos na fase do “tudo de graça” pela internet. Ninguém compra mais nada: jogo, CD, DVD, livro, revista, jornal. Tudo você pega na rede. A diferença que poucos se deram conta é que na internet ficam as notícias, aqueles esquemas que saem num dia e no outro morrem. Esse é o papel dos sites e blogs. Matérias completas, reportagens exclusivas, tudo com um texto bacana e bem trabalhado, são o papel da revista. Ainda, é nas revistas que são anunciados os grandes games, com previews cheios de detalhes. Nisso, a internet só acompanha.
Com isso, acredito que a revista ainda é importante para o mercado brasileiro pois é nela que os jogadores poderão conhecer melhor seus jogos favoritos e se aprofundar nos assuntos que achar relevante. Só não vale escanear as revistas e distribuir de graça, como acontece. Lembro de um editorial da Playboy na qual o editor disse exatamente isso. Você sabe, as fotos das mulheres tão na internet antes da revista chegar às bancas.
Não é assim que o mercado funciona. E para quem diz que as revistas estão no fim, traço um paralelo com a revista Veja: todo o mundo lê notícias na internet a semana toda, mas ninguém deixa de comprar a Veja no sábado. Tanto que ela é uma das revistas mais vendidas do Brasil há anos.
Você edita a GameMaster, uma revista multiplataforma, que concorre com uma revista de marca internacional, que é a EGM (para a qual você já trabalhou). Como funciona para você a concorrência entre as publicações? Como você se prepara?
Eu, o Rômulo Máthei (que trabalha comigo na revista) e toda a redação de games da Editora Europa lutamos todos os meses para tentar fazer sempre o melhor a cada edição. Se você me perguntar qual a melhor edição da GameMaster até hoje, eu respondo que é a próxima. Sempre é e será a próxima edição que você vai fazer.
A concorrência, como todos dizem, é saudável. Claro que eu quero colocar uma jogo exclusivo na capa ou fazer matérias que atraiam os leitores da GameMaster e que pegue os da EGM, mas é um trabalho difícil. Mas estamos no caminho certo. Sou muito amigo do Shaaman [o editor Ricardo Farah] e gosto do trabalho dele na EGM, mas, assim como ele, queremos sempre sair na frente. Vale lembrar que a concorrência é com as revistas e não com os editores.
A preparação vem do que conseguimos com nossos contatos gringos e no Brasil para colocar um jogo na capa, do que lemos nos jornais e nas revistas estrangeiras (ou você acha que eu não leio a EGM americana para tentar descobrir o que sairá na EGM daqui?) e muitas outras coisas.
Para conseguir ter algo bacana em cada edição, é preciso estar antenado em tudo o que acontece no mercado mundial dos videogames. Além do que, não temos o auxilio do conteúdo de uma revista gringa. Aqui fazemos a revista do zero. E o bacana é que já conseguimos muitas coisas legais para colocar na capa, coisas que a GameMaster foi a primeira a publicar.
A pergunta de sempre: quem vai ganhar a guerra da atual geração?
[Risos] Por que todo o mundo quer saber disso, hein? Acho que ao invés de ficar se preocupando com essa guerra, por que a gente não aproveita um monte de jogos bons que apareceram nesses últimos tempos e os que vão sair para se divertir? Vejo nos fóruns um monte de brigas sobre isso e acho que é uma perda de tempo. Vamos jogar games, gente!
O X360 é o favorito dos desenvolvedores. Todos preferem começar a desenvolver seus jogos no console da Microsoft e depois o portam para o PS3 ou Wii. Acho que é aí que o bicho vai pegar. Com o 360 como o queridinho das produtoras, ele tem tudo para ser o campeão ao lado do Wii, que segue por outro caminho. A Sony parece que ainda não sabe o que fazer com o PS3, tanto que na GDC, os desenvolvedores aproveitaram para dar uma zoada no console em cada palestra. Mas eu acho que a Sony não é burra e vai tentar dar uma volta por cima. Mas eles precisam de mais jogos bons, só MGS 4 e GT5 não vão segurar a bronca. Também torço pelo PS3.
Para terminar, diga algo bonito e inspirador aos leitores do Gamer.br.
Acho que se você tem um sonho, não importa no que seja, lute até o final por ele e acredite no seu potencial. É só lutar e ir atrás, pois nada é fácil nessa vida. Quando eu estava começando a treinar natação, um técnico me perguntou qual era o meu maior sonho no esporte. Eu respondi que era ir para as Olimpíadas. Ele me disse que eu jamais iria conseguir isso. Acho que esse evento me desmotivou no esporte, pois não consegui participar de uma competição de alto nível, mas cheguei a ter resultados expressivos a nível nacional. O fato é que para eu conseguir chegar onde eu cheguei, eu ouvi a mesma coisa muitas vezes e de muita gente. A diferença é que eu acreditei, mantive o foco no objetivo e fui à luta. É assim que se deve fazer para conseguir tudo na vida. Lute e acredite!